O utopista de Boaventura Santos

14/10/2014 11:48

    Para Boaventura Santos a emancipação social é uma tão óbvia quanto inverossímil (Santos, p.329), na transição paradigmática. Óbvia, pois a regulação social, segundo o autor é ineficaz e incoerente diante de quem lhe resista e inverossímil, porque tens absorvido em si a emancipação social considerada possível aos olhos do dominante. Para Boaventura Santos, os grupos sociais devem defender alternativas emancipatórias coerentes e eficientes, “sob pena de confirmarem e aprofundarem a sua inverosimilhança. Nestas condições, não resta outra saída senão a utopia” (Ibid., p. 239). Por utopia entende o autor, como exploração através da imaginação, ou seja, criar novas formas de vontade, e não uma imaginação à necessidade do que existe. Segundo ele, devemos ter um conhecimento profundo da realidade, para assim aspirar mudanças e evitar que o radicalismo da imaginação colida com o seu realismo (Ibid., p. 332).

Continua o autor,

 

No trilho aberto por ela o conhecimento emancipatório irá consolidando a sua trajetória epistemológica, do colonialismo para a solidariedade. Assim se irá criando uma nova bitola de coerência e eficácia que torne a emancipação menos óbvia e mais verossímil (Ibid., p. 239)

 

    Este pensamento da autonomia do outro se traduz no cultivo de uma epistemologia solícita, atenta à solidariedade, desde logo epistemológica e, depois, social. Ou seja, redunda na substituição, na ciência, do princípio colonizador e objetivante da regulação pelo princípio libertador da solidariedade, para todos os efeitos identificando a verdade do discurso pela sua capacidade de incorporar o outro, de criar senso comum auto-refletido e libertador do outro.

    Boaventura Santos tem como proposta neste livro a ampliação e complementar o mapa de transações paradigmáticas – emancipações. São seis ao todo, apontado pelo autor, “essas seis formas de emancipação, e as correspondentes lutas emancipatórias, em lugar de ser um ponto de chegada, constituem antes um ponto de partida para pensar a transição paradigmática” (SANTOS p. 334). Para ele estas lutas emancipatórias devem opor-se nos campos sociais onde se reproduz.

 

As lutas emancipatórias devem necessariamente opor-se-lhe nos campos sociais em que ela atualmente se reproduz. Seja como for, à medida que a transição paradigmática progredir, as lutas emancipatórias deixaram de combater as formas de regulação social que agora existem para combaterem as novas formas de regulação, entretanto surgidas das próprias lutas emanciapatórias paradigmáticas (Ibid., p. 334).

 

            Boaventura Santos defende que, um dos objetivos fundamentais das lutas conduzidas pelas forças sociais emanciapatórias, consistem em transformar a capacidade cósmica do Estado em uma capacidade caósmica, invés de impor uma forma de sociabilidade, o Estado deve ser constituído de certa forma que possa criar as condições necessárias para a experimentação social, isso implicaria em uma transformação radical do Estado. Para o autor o Estado deve se reiniciar, se transformar em um ‘Estado – Providência’, uma forma estatal que garante uma experimental social (Ibid., p. 335). Segundo Boaventura Santos, é “função do Estado se centrar em garantir as condições de experimentações de sociabilidades alternativas, não lhe competindo avaliar o desempenho delas” (Ibid., p. 335).

    Vejamos aqui os seis espaços estruturais:

            Comunidades domésticas cooperativas – No espaço doméstico, há uma disputa entre os paradigmas da família patriarcal (ou tradicional) e das comunidades domésticas cooperativadas; neste espaço o autor indica que o Estado – Providência, deve garantir que se possam experimentar novo formas de domesticidades, tanto quanto possível em igualdade de circunstâncias (Ibid., p. 336).

            Produção eco-socialista – A produção desenrola entre duas contradições de produção: capitalistas e eco-socialista. Esta última atualmente existe nas periferias da produção capitalista, as vejamos nas cooperativas e auto-geridas, na agricultura orgânica, pequena agricultura (por aqui conhecida como agricultura familiar), redes de produção comunitária, etc. O Estado – Providência deve neste espaço garantir a coexistência desses dois modos de produção, para assim avaliar os resultados futuros e a formas de sociabilidades concorrentes (Ibid., p.337).

            Necessidades humanas e consumo solidário – Nesse espaço de mercado, há uma contradição entre o os paradigmas do consumo individualista e o paradigma das necessidades humanas. Segundo Boaventura Santos, o mercado é uma das formas de organização de consumo e as necessidades são concebidas de várias formas, de acordo com os contextos e as culturas, criando objetos de desejos, e às vezes, objetos de inter-subjetividade. Para o autor o Estado - Providência deve criar ambientes de experimentação das diversas formas de consumo, tanto quanto possível em igualdade de circunstância (SANTOS p. 338).

            Comunidades- Amiba – Competições entre duas comunidades: as comunidades-fortalezas, que segundo o autor, são comunidades exclusivas, isso é agressivas ou defensivas, que vivem em uma clausura em relação ao exterior (sociedade colonial); e as comunidades - amiba, que ao contrário da sociedade – fortaleza, tem como identidade ser múltiplas, sempre em processo de reconstrução e reinvenção. O Estado – Providência deve garantir a proliferação dessa última comunidade (Ibid., p. 339).

            Socialismo como democracia sem fim Competição e contradição no espaço da cidadania, entre a democracia autoritária e a democracia radical. Segundo Boaventura Santos, o paradigma da democracia radical é,

 

Democratização global das relações sociais assente numa dupla obrigação política: a obrigação política vertical, entre o cidadão e o Estado, e a obrigação política horizontal entre cidadãos e associações. Em termos do paradigma emergente, a transição paradigmática consiste nas lutas por seis formas de sociabilidade democráticas, isto é, seis formas de democracia correspondentes ao seis espaços estruturais (SANTOS, p. 340).

           

            Nesta transição o Estado – Providência deve promover um transformação de si mesmo, um Estado experimental, um Estado Piloto (Ibid., p. 341).

            Sustentabilidade democrática e soberanias dispersas – Paradigmas no espaço Mundial entre o desenvolvimento desigual e da soberania exclusiva, e de outro lado, as alternativas democráticas ao desenvolvimento e da soberania reciprocamente permeável. De acordo com o autor, a hierarquia Norte-Sul, deve ser abolida sendo imposto um novo padrão de sociabilidade transnacional democrática e eco-socialista, esta que “pressupõe um novo sistema de relações internacionais e transnacionais orientado pelos princípios da globalização contra - hegemônica: o cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade” (Ibid., p. 341-342). O Estado – Providência deve garantir a experimentações de novas formas de sociabilidades internacionais e transnacionais, baseado em conceitos alternativos de soberania.