Eu não trabalho, só dou aula mesmo

12/01/2016 18:28

            Este ano 2016 completam 10 anos que estou na vida docente. Há uma década estou dentro de uma sala de aula. E nestes anos passei por diversas escolas, por diversas cidades, diversos ensinos (fundamental, médio, EJA, pré-vestibular e superior).

      Nestes 10 anos, um pergunta sempre me acompanhou. Escuto-a muito, pois no momento me dedico exclusivamente a um tipo de ensino, onde os alunos buscam qualificação para o mercado de trabalho. Mas tal questionamento também se escuta em diferentes ensinos.

    Sempre continuei estudando, qualificando, fiz cursos, especializações, mestrado e doutorado, para tornar-me um melhor docente, ser um bom profissional na área de educação. Mas ainda assim, a pergunta não cala, continua: “Professor, você trabalha? Ou só dá aula mesmo?”. Este questionamento me acompanha por estes 10 anos de magistério. Não é somente por parte dos alunos, muitas pessoas de fora (ou que já passaram) pelas instituições de ensino, também já me fizeram este questionamento.

         No início isso me incomodava muito, depois foi perdendo valor (ou fui me acostumando). Com o passar do tempo, usei este questionamento como instrumento de momentos cômicos e de quebra de gelo em sala de aula. Mas agora, continuando a ouvi-lo, mesmo após uma década que sou dedicado à educação, percebo que é cultural.

        Um país onde pessoas que se dedicam às artes ou à manifestações culturais (escrita, música, artes plásticas, artesanato, etc.) não são consideradas trabalhadoras, vemos o quanto é complicado a maioria das pessoas entender o que é trabalho (tanto na visão capitalista quanto na marxista), pois se tem a ideia de que é uma ação onde o indivíduo bate o ponto, exerce uma determinada função, bate o ponto novamente e no final do mês recebe por este mecanismo contínuo. A ideia de criar, manifestar, idealizar, estudar não é uma ação de trabalho, então, não merece reconhecimento.

     Após estudar filosofia no ensino superior (filósofo por aqui, em terras tupiniquins não é considerado profissão), e escrever alguns livros (vixe, escritor também não é profissão!), receber tal pergunta deveria ser recebi como algo normal. Dessa forma, entendo por que tal pergunta me persegue nestes anos. Se não há uma valorização da educação e cultura, como pode estes meros ativistas ser considerados profissionais e desse modo, trabalhadores    ?

    Não é por nada que o país está como está. Qualquer um grita, defende o seu, sem olhar (ou ouvir) o outro. Corrupção, violência, ganância, e os indivíduos registrando tudo com seus smartphones (fruto do seu trabalho), compartilhando tudo o que pensadores de redes sociais (estes escolhidos pela maioria) ditam como verdade, sem reflexão, discussão ou estudo. Estudo? Para que? O importante é o trabalho, receber no final do mês. Isso mexe com a economia, tira o país da crise.

    Neste contexto de trabalho, verdadeiramente não sou um profissional de sucesso (já viu professor ser?), com grandes ganhos financeiros (putz, pior ainda!), ou com projeção de crescimento (só da região abdominal). Entendo a cabecinha de quem me questiona se eu trabalho ou somente dou aulas. E minha resposta sempre é a mesma diante do entendimento de trabalho geral.

    Ora, “se eu trabalho? Não, não... só dou aula mesmo”.